Consciência Negra: o abismo racial ainda é marcante
Apenas 33% dos pretos ou pardos são empregadores no Brasil e 66% deles são empregados domésticos
O Dia da Consciência Negra é celebrado no Brasil, dedicado a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. As estatísticas revelam que a herança da escravidão ainda está presente no DNA do negro: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo IBGE, revelou que apenas 33% dos pretos ou pardos são empregadores e 66% dos empregados domésticos são negros.
Segundo a PNAD, o rendimento dos trabalhadores pretos e pardos foi de R$1.531, enquanto o dos brancos era de R$2.757, já que os postos de trabalho ocupados pelos negros, em sua grande maioria, são os de baixa qualificação. Eles superam o número de brancos na agropecuária, na construção, em alojamento e alimentação e, principalmente, nos serviços domésticos. Os dados mostram ainda que no terceiro trimestre de 2017, 2,5% dos trabalhadores pretos ou pardos trabalhavam como ambulantes, enquanto em 2014 eles representavam 1,9%.
De acordo com a estudante de história e diretora do Coletivo Negro Waldir Onofre, Ingrid Amaral, os dados são reflexo do racismo estrutural, a maioria da população preta não tem capital cultural, social e econômico para ocupar determinados cargos.
Nível de escolaridade e cotas raciais
Conforme Pesquisa do IBGE divulgada em dezembro de 2016, o percentual de negros nas universidades dobrou em 10 anos, mas ainda é inferior ao dos brancos. Em 2005, um ano após a implementação de cotas, apenas 5% dos jovens pretos ou pardos em idade universitária frequentavam a faculdade, em 2015, eles já eram 12,8%. Em contrapartida, o número equivale a menos da metade dos jovens brancos com a mesma oportunidade, que eram 26,5% em 2015 e 17,8% em 2005. O estudo revela também que a dificuldade de acesso dos estudantes negros ao diploma universitário reflete o atraso escolar, maior neste grupo do que no de alunos brancos. Na idade que deveriam estar na faculdade, 53,2% dos negros estão cursando nível fundamental ou médio, ante 29,1% dos brancos.
“As cotas raciais são de extrema importância para a introdução da juventude preta nas universidades, após essas políticas, houve um crescimento de negros no espaço acadêmico. Porém, precisamos ser realistas: 500 anos de atraso não se apagam com 15 anos de políticas públicas”, relatou Ingrid Amaral.
“Creio que as cotas surgiram como algo imediato e paliativo para que negros pudessem mudar consideravelmente esse quadro no ensino superior, contudo, é preciso pensar uma política de educação para que essa discrepância possa ser amenizada ainda nos primeiros anos de educação básica”, opinou Fábio Barbosa, assistente social e coordenador do ‘Grupo Miguilim’ no Museu Casa Guimarães Rosa.
A mulher negra e o trabalho doméstico
‘As antigas amas de leite e mucamas hoje são cozinheiras, governantas, lavadeiras, babás’. Conforme o levantamento da Pesquisa “O Emprego doméstico no Brasil” (Dieese/2013), no período de 2004 a 2011, houve elevação do percentual de trabalhadoras domésticas negras em todas as regiões do país, exceto para a região Norte, que teve uma redução – abaixo de mínima – de 79,6%, em 2004, para 79,3%, em 2011. A região Sudeste registrou o maior aumento de mulheres negras ocupadas no trabalho doméstico no período, com o percentual correspondendo a 52,3%, em 2004, e atingindo 57,2%, em 2011.
Em todas as regiões e circunstâncias, a mulher negra tem uma remuneração inferior a da mulher não negra. Enquanto uma diarista negra recebe R$ 5,34 pela hora trabalhada, a não negra ganha R$ 6,94.
Ainda de acordo com Ingrid Amaral, as mulheres sofrem racismo e sexismo e para resolver este problema, primeiramente, ele deve ser reconhecido, ‘no imaginário do brasileiro, o racismo nem existe’, ‘precisamos de políticas na área de educação antirracistas e antimachistas’.
Para Fábio Barbosa, a desigualdade de salário entre homens e mulheres, principalmente negras, acontece devido a uma cultura machista, que mesmo velada é corroborada por diversos fatores. ‘Para mudar essa realidade é preciso uma abordagem nas escolas a fim de acabar com esse estigma machista e preconceituoso que carregamos’.