Senado analisa a retirada do ‘feminicídio’ do Código Penal
A ideia legislativa que quer tornar hediondo qualquer crime passional, conseguiu mais de 20 mil assinaturas e, por isso, será considerada pela Comissão de Direitos Humanos
Em um ranking de 83 nações, o Brasil está na quinta posição em feminicídio com uma média de 8 assassinatos de mulheres por dia. Em contrapartida, tramita no Senado Federal, uma sugestão popular de um projeto de lei que quer retirar o termo ‘feminicídio’ do Código Penal e tornar hediondo qualquer crime de caráter passional, independente do gênero da vítima. A proposta atingiu 26 mil assinaturas em pouco mais de três meses.
Segundo Felipe Medina, autor da proposta, ‘feminicídio’ é um termo que fere o princípio da igualdade constitucional. Ele fala ainda que qualquer crime de caráter passional deve ter o agravante de hediondo, independente do sexo da vítima.
Para a advogada e estagiária de pós-graduação do Ministério Público, Kelly Aguiar, incluir o termo “feminicídio” significa atribuir significância aos direitos das mulheres, não se tratando de violação a igualdade de direitos estabelecida pela constituição, justamente porque o feminicídio se traduz em tratar os desiguais[mulheres] de forma a sanar as desigualdades.
Nos últimos 100 anos, as mulheres lutaram e fizeram valer seus direitos. Ao longo da história, foram realizados movimentos em busca de igualdade e proteção, grupos de mulheres reuniram-se em forma de liderança e representação a toda população feminina. Assim, a sociedade começou a mudar de forma gradativa, sendo criadas algumas leis protetoras, como a Lei Maria da Penha, por exemplo, que visa punições mais severas aos agressores de mulheres – principalmente quando se trata de violência doméstica; e em 2015, a introdução do termo feminicídio no Código Penal.
“A inclusão do feminicídio no Código Penal é de suma importância para nós mulheres, a afirmação desse direito é muito importante para a sociedade atual. Tendo em vista que o Brasil não é evoluído o suficiente para lidar com essa situação[retirada do feminicídio do código penal]”, afirma Larisse Bueri, militante feminista, administradora do Grupo ‘Moça, Liberte-se’ e estudante de direito.
Sobre o feminicídio
“O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.”, Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013)
Como acontece o feminicídio
Casos de feminicídio que mais ocorrem no Brasil são os chamados ‘feminicídios íntimos’, ou seja, os que são praticados no contexto doméstico e/ou familiar. De acordo com o Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso), dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. O estudo aponta ainda que a residência da vítima como local do assassinato aparece em 27,1% dos casos, o que indica que a casa é um local de alto risco de homicídio para as mulheres.
Feminicídio como lei
O crime de feminicídio íntimo está previsto na legislação desde a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, que alterou o art. 121 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. É importante lembrar que, ao incluir no Código Penal o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, ele foi adicionado ao rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990), tal qual o estupro, genocídio e latrocínio, entre outros. A pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.
A violência continua:
Apesar das leis rígidas que dão suporte às mulheres no Brasil, o número de casos de violência ainda é alarmante. Conforme a Pesquisa "Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil", realizada pelo Datafolha entre os dias 11 e 17 de fevereiro de 2017, 503 mulheres são agredidas fisicamente a cada hora no país. O levantamento ouviu 2073 pessoas, dentre elas 1051 mulheres. A pesquisa revelou que apenas 11% das 24 milhões de mulheres violentadas em 2016 procuraram ajuda na justiça.
“Devemos salientar que não é nada fácil para uma mulher denunciar seu agressor, já que ainda hoje, nós vemos casos de autoridades constrangendo as vítimas e culpando-as de tais atos. Também existe toda a questão da dependência, a qual faz com que várias mulheres fiquem caladas por medo de não terem como sobreviver, já que existe toda uma dependência financeira ali colocada”, destacou Larisse Bueri.
“Há uma insegurança nas medidas impostas, sendo necessária uma revisão minuciosa destas, com a finalidade de garantir maior proteção e menor cometimento de delitos”, enfatizou Kelly Aguiar.
Quando o agressor é um agente da justiça
Na última quinta-feira, 16, Lorena Soares, 27 anos, faleceu ao ser atingida por um tiro na cabeça depois de uma discussão com o marido, um soldado da Polícia Militar. O caso aconteceu no Bairro Palmital, em Santa Luzia. Quem irá expor sua visão sobre o fato é Giovanna Santos, prima da vítima.
Repórter: Como era o relacionamento do casal, quanto tempo eles estavam juntos?
Giovanna: Minha prima estava se relacionando com esse PM há aproximadamente 3 anos, mas eles já se conheciam a mais tempo. Eles discutiam muito, o casal já não estava bem, inclusive, eu soube que ele havia machucado ela antes.
Repórter: Como aconteceu a tragédia, houve uma briga antes, qual foi o ápice da morte da sua prima?
Giovanna: Eles estavam em um churrasco, a Pâmela se sentiu enciumada por causa de uma moça que estava lá, eles começaram a brigar. A briga se estendeu até o momento em que eles chegaram em casa. Os vizinhos ouviram gritos e disseram que o PM falou ‘espere aí que eu vou calar sua boca agora’ e, em seguida ouviram o barulho do tiro. Na versão dele, ela foi tentar tirar a arma da mão dele e acabou disparando contra a própria cabeça, o que está sendo investigado pela polícia civil.
Repórter: Em se tratando da justiça, o que você tem a dizer sobre a investigação, há melhorias a serem feitas?
Giovanna: A justiça é muito lenta, principalmente nesse caso que envolve um PM. Eles querem acobertar. Em uma reportagem, o comandante defende o policial para que ele pegue pena só sobre o homicídio, sem o agravante de feminicídio que daria mais anos de cadeia. Embora as coisas estejam caminhando para as mulheres, faltam mais delegacias especializadas, melhor tratamento das vítimas e maior celeridade no andamento do inquérito e processo.